Saúde/Evacuações: CNDHC envia Recomendação ao Governo

A Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC), no âmbito do seu mandato de promoção e proteção dos direitos humanos, enviou esta terça-feira, 26 de Junho de 2018, uma Recomendação ao Governo, com enfoque nos constrangimentos na efetivação do direito à saúde em Cabo Verde, sobretudo no que se refere às evacuações.

No documento, enviado ao Primeiro-Ministro e ao Ministro da Saúde, a CNDHC recomenda “a tomada de medidas urgentes e adequadas para melhorar as respostas ao nível da efetivação do direito humano à saúde, particularmente através da garantia de maior celeridade na decisão dos processos de evacuação e assegurando que estas sejam feitas em tempo útil e em condições de segurança desejáveis”.

Não obstante reconhecer as medidas legislativas e políticas que têm sido adotadas visando a “efetivação do direito a uma saúde com qualidade e que ofereça garantias de uma vida com dignidade”, a instituição reconhece que este ainda é um grande desafio para os cabo-verdianos e que “o panorama nacional a nível das evacuações internas e externas é extremamente preocupante”.

A instituição cita os vários documentos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado de Cabo Verde, que abordam a questão do acesso à saúde e dignidade da pessoa humana, e promete manter-se “vigilante em relação a esta situação e a outras situações atentatórias aos direitos humanos em Cabo Verde”.

Confira o documento na íntegra:

Recomendação - 2018

Assunto: Constrangimentos na efetivação do direito à saúde

A Constituição da República de Cabo Verde consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, prevendo no n.º 1 do art.º 1.º, que “Cabo Verde é uma República soberana, unitária e democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça”. Neste sentido, sendo um princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana é entendida como um valor supremo e fundamento do ordenamento jurídico-constitucional cabo-verdiano, impondo ao Estado a adoção de medidas necessárias e adequadas tendo em vista garantir que todas as pessoas que se encontrem em seu território vivam de acordo com a sua dignidade inerente.

No mesmo sentido, a Constituição da República reconhece a todos, no n.º 1 do art.º 71.º, o direito à saúde e o dever de a defender e promover, independentemente da sua condição económica.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instrumento fundamental a nível da proteção dos direitos humanos, reconhece, no n.º 1 do art.º 25.º, o direito de toda a pessoa a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde e o seu bem-estar.

Tendo em vista garantir o máximo de dignidade possível aos cabo-verdianos, o Estado de Cabo Verde ratificou, em 1993, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) assumindo o compromisso de agir, por todos os meios apropriados, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos nesse instrumento.

Um dos direitos previstos nesse Pacto prende-se com o acesso à saúde de qualidade, um direito que em Cabo Verde tem sido objeto de constante manifestação de descontentamento por parte dos utentes e que o Estado de Cabo Verde se comprometeu a garantir a sua efetivação, quer com os próprios recursos, quer com a assistência e cooperação internacionais.

A Lei n.º 41/VI/2004 de 5 de abril que estabelece as Bases do Serviço Nacional de Saúde prevê que este rege-se pelos princípios da universalidade de acesso a todos os níveis de assistência sanitária, da solidariedade, da equidade na distribuição dos recursos e utilização dos serviços, da salvaguarda da dignidade humana e preservação da integridade física e moral dos utentes e prestadores de serviços, da liberdade de escolha do estabelecimento sanitário e do nível de prestação de cuidados.

A Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, aprovada na reunião do Conselho Nacional de Saúde em 2011, prevê no direito 15º que o “doente tem o direito de acesso a serviços de saúde e tratamentos com adequados padrões de segurança, não devendo sofrer danos pelo mau funcionamento dos serviços, nem por erros ou negligência.”
Apesar de todas as medidas legislativas e políticas adotadas, a efetivação do direito a uma saúde com qualidade e que ofereça garantias de uma vida com dignidade constitui ainda um grande desafio para os cabo-verdianos.

O direito à saúde, entendido não só na perspetiva de ausência de doença mas enquanto bem-estar físico, psíquico e social, cuja não realização interfere negativamente na materialização de outros direitos humanos, embora preveja a progressividade na sua realização, comporta obrigações que devem ser de cumprimento imediato.

É o caso das evacuações internas e externas. O processo das evacuações enfrenta ainda muitos constrangimentos, relacionados com as limitações do país em termos de assistência médica, mas também com questões de transporte. Ao longo dos anos, as reclamações e denúncias sucedem-se, e os utentes e a população em geral não entendem a morosidade do processo, sobretudo em casos de extrema urgência.

As evacuações, tanto internas como externas, não se compadecem com a demora e a natureza das respostas que tem sido dada pelas autoridades que, em muitos casos, têm atentado contra a dignidade dos utentes e noutras, têm culminando com a perda de vidas humanas, sendo as ilhas mais afetadas as que não dispõem de hospitais centrais e/ou regionais.

O panorama nacional a nível das evacuações internas e externas é extremamente preocupante.

Ultimamente, as evacuações da ilha da Boavista, quer para a ilha do Sal, quer para a ilha de Santiago, têm assumido contornos inaceitáveis numa sociedade democrática e que quer se afirmar como sendo comprometida com a efetivação de todos os direitos humanos, sem discriminação.

A Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC), no âmbito do seu mandato de proteção dos direitos humanos, tem tomado conhecimento dos últimos casos de evacuações feitas em embarcações marítimas que não reúnem as mínimas condições de segurança e dignidade para os doentes, levando ao questionamento se efetivamente o Estado de Cabo Verde tem utilizado todos os recursos para preservar e garantir o direito à saúde e à vida das pessoas, direitos fundamentais para qualquer cidadão.

Para que cada pessoa possa gozar do mais alto nível possível de saúde física e mental, é necessário que os serviços de saúde estejam disponíveis, sejam acessíveis e ofereçam serviços de qualidade. 

Do contato que a CNDHC tem feito junto das comunidades e instituições e das reclamações e denúncias que têm sido feitas, perece-nos que a acessibilidade e a qualidade dos serviços de saúde, particularmente na vertente das evacuações, têm sido claramente desrespeitados.

Neste sentido e, atendendo que a realização do direito à saúde, enquanto direito humano fundamental consagrado na Constituição da República de Cabo Verde e nos principais instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, não pode esperar, a CNDHC recomenda ao Governo a tomada de medidas urgentes e adequadas para melhorar as respostas ao nível da efetivação do direito humano à saúde, particularmente através da garantia de maior celeridade na decisão dos processos de evacuação e assegurando que estas sejam feitas em tempo útil e em condições de segurança desejáveis.

Neste ano de 2018, a Organização Mundial da Saúde elegeu como lema para celebrar o Dia Mundial da Saúde a frase “Saúde para todos, em qualquer lugar”. Sendo Cabo Verde um país que se assume como respeitador dos direitos humanos, é urgente uma solução que impeça a repetição de situações que ponham em causa a dignidade e a vida humana.

A Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania, no âmbito das suas atribuições, continuará vigilante em relação a esta situação e a outras situações atentatórias aos direitos humanos em Cabo Verde, contando com respostas urgentes que esta situação inadiável impõe.

Sem mais, queira aceitar, S. Excia. Senhor Primeiro-Ministro, os nossos respeitosos cumprimentos,

A Presidente da CNDHC

Zaida Morais de Freitas